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Viver a literacia mediática e o jornalismo nos núcleos da ESCS

Atualizado: 26 de abr. de 2023


Saber compreender o papel do jornalismo, a mensagem de uma notícia, distinguir factos, de opiniões e entretenimento são algumas das componentes da literacia mediática. Terão os alunos de jornalismo essas competências? A propósito do VI Congresso de Literacia, Media e Cidadania, que se irá realizar na ESCS, a 21 e 22 de abril, fomos ao encontro da rádio, da revista e da televisão da instituição para perceber como alunos e professores percecionam o tema e o exercício do jornalismo


Por Diana Correia Cardoso


“Informado sou um cidadão, não informado sou um escravo.” É desta forma poderosa e capaz de determinar a condição humana que Carlos Andrade, jornalista radiofónico, moderador do programa Princípio da Incerteza, na CNN, e professor na ESCS, encontra para descrever o conceito de literacia mediática. “Se sou deficientemente informado, a minha cidadania há de ter entorses, não se consegue afirmar plenamente porque não tenho o domínio da totalidade da informação”, considera. O fundador e antigo diretor da TSF descreve algumas das consequências que emergiram da transição digital e que tem constatado no seu dia a dia como docente. “A aceleração, ao longo dos anos, do tempo da informação e a multiplicação de fontes veio piorar as coisas não apenas para os jornalistas, mas também para a sociedade em geral. E os alunos de jornalismo são os filhos dessa sociedade.”


A descrição que o professor de Jornalismo faz sobre os seus jovens estudantes expressa-se abertamente nos três principais núcleos da instituição de ensino superior. É na televisão E2, na revista ESCS Magazine e na rádio ESCS FM que antes de entrarem para o mercado de trabalho, os alunos têm a oportunidade de aplicar os seus conhecimentos e descobrir gostos e aptidões dentro da profissão. Os efeitos da hegemonia das novas tecnologias de informação, um dos principais meios de consumo de informação, em especial pelos jovens, reflete-se, entre vários fatores, na perda de interesse pela produção noticiosa e subsequente preferência por outras formas de comunicação.


Jornalismo ou entretenimento?


É o caso de Andreia Custódio, aluna de 3º ano da licenciatura em Jornalismo da ESCS. “Vim para jornalismo a dizer que queria ser correspondente de guerra. Continuo a não desistir da ideia, só que, entretanto, já conheci muitas pessoas e ouvi testemunhos que me afastaram um pouco dessa opção”, confessa. Os restantes sonhos que a acompanham desde infância, como ser pivot em televisão, apresentadora ou ter um programa de investigação criminal, e que foram remetidos para segundo plano no começo da licenciatura, voltam agora a ser uma opção de futuro profissional. No entanto, algumas das suas atuais ambições cruzam-se de perto com o jornalismo. “Trabalhar na rádio M80 é o meu sonho, mas aí não seria jornalismo. Gostava de fazer programas de entrevistas com vários convidados da área da cultura e da música. Em televisão também me vejo a fazer entretenimento, a apresentar um programa de cultura geral”, esclarece.


Alunos numa sessão em direto da ESCS FM.


Paulo Moura, jornalista-docente e subcoordenador da licenciatura em Jornalismo, na ESCS, refere que é comum os estudantes de Jornalismo se desapontarem com a profissão. “Eu percebo que muitos jovens tenham ido para jornalismo porque tinham certos ídolos, coisas que seguiam ou viram certos filmes. Tinham uma ideia muito romântica do jornalismo e, quando começaram a contactar com a realidade, podem ter ficado desiludidos”. Além das oportunidades de mercado de trabalho serem escassas, quando testam a ética, a autenticidade e a nobreza do jornalismo apercebem-se da fragilidade desses valores. “Alguns alunos já não acreditam que se possa fazer jornalismo a sério porque a própria reputação da profissão decresceu muito.”


Mas nem só a desilusão demove os estudantes a seguir jornalismo. “Há muita gente que chega à ESCS e que não quer jornalismo, estão interessadas em entretenimento, em ser apresentadores porque têm uma cadeira de televisão e pensam que conseguem adquirir competências por essa via”, diz a diretora da ESCS FM, Margarida Alves. Os núcleos da ESCS refletem essas preferências, pois “servem de currículo”.


A junção do jornalismo com o entretenimento e o descrédito pelo critério da verdade e da defesa do interesse público pode ser problemática se corresponder a “uma visão de que o próprio jornalismo deve ser entretenimento e em si mesmo é uma grande chatice”, explica o jornalista Paulo Moura.


Abertura para escrever


Foi às gargalhadas com um tom de reflexão na voz que Andreia Custódio, atual chefe de redação do E2, quando questionada sobre o peso da produção noticiosa no canal de televisão da ESCS, afirmou que o canal não faz “propriamente informação, havendo uma linha muito ténue entre a informação e o entretenimento”. No entanto, destaca a seriedade dos temas abordados nos programas emitidos, enfatizando que “os conteúdos não são entretenimento, mas que dispensam a aplicação das normas do Código Deontológico. Apenas têm de seguir uma linha editorial”. As ideias para os conteúdos são discutidas entre todos os colaboradores que podem ou não ter formação em jornalismo. “O que importa é que se produzam bons guiões”, refere.


Alunos a gravar um episódio do programa E2.


Na rádio, os programas de entretenimento também têm grande peso, embora haja a preocupação de não confundir os ouvintes. “Quem faz um programa de entretenimento, não participa no segmento de informação nesse dia”, afirma Margarida Alves. As regras estendem-se também aos novos integrantes da rubrica de informação que têm de passarem por um processo de formação. Cerca de 80% dos alunos são do curso de Jornalismo, no qual têm disciplinas de ética jornalística. “Há a noção do que é uma notícia sensacionalista e do que devem ou não fazer quando entrevistam”, conclui.


Na revista ESCS Magazine, verificam-se as mesmas características dos restantes núcleos. Os artigos de opinião e de entretenimento são em maior número. As editorias de Moda e Lifestyle, Cinema e Televisão, Música e Desporto são as áreas pelas quais se interessam mais os redatores. Nas secções de Informação, Grande Entrevista e Reportagem, estão em falta. Apesar de estar ao alcance de todos no digital, a revista continua a fazer edições especiais em papel, uma vez por semestre. “Houve sempre um bichinho de termos algo físico para as pessoas nos levarem a sério, para ter reconhecimento pelo trabalho realizado”, refere Inês Policarpo, diretora-geral do núcleo.



Filipa Amaro e Inês Policarpo, alunas do 3ºano da licenciatura em Jornalismo, e Filipa Torres, do 2ºano da turma pós-laboral de Relações Públicas e Comunicação Estratégica, membros da direção da revista, divulgam a edição em papel da ESCS Magazine, na cerimónia de receção ao caloiro, no início do ano letivo 2022/2023


A aplicação Whatsapp é uma ferramenta essencial para os alunos da ESCS Magazine. A revista online, sem redação física, que comunica e reúne pela rede social, afirma-se como um “canva”, um site de design gráfico online que permite criar vários conteúdos livremente porque, como refere a responsável da publicação, “dão abertura às pessoas para escreverem como quiserem”. Os artigos de informação diferenciam-se dos de opinião através do seu valor de atualidade. “A editoria de informação aborda temas atuais e o que acontece na de opinião é os redatores escolherem um tema e opinar sobre ele. Muitas vezes, não é atual ou mesmo que seja, não é específico de atualidade.”


“Disciplina monástica” para digerir a informação


Se o trabalho desenvolvido pelos jovens dos núcleos da ESCS reflete o modo como veem a profissão, o que esperar do futuro do jornalismo? Qual é a opinião dos docentes sobre o que constatam nas suas aulas? Qual é o nível de literacia mediática dos jovens estudantes? Carlos Andrade, Paulo Moura e Vera Moutinho, docente das unidades curriculares de Jornalismo Multimédia e Atelier de Jornalismo Multiplataforma, na licenciatura em Jornalismo, partilham a mesma convicção. “Os alunos não têm as competências de pensamento crítico necessárias para compreender as informações que nos chegam através dos média.” Naturalmente, como salvaguarda Carlos Andrade, “com honrosas exceções que alegram os professores, ainda há quem tenha literacia mediática, mas tem vindo a diminuir a níveis preocupantes, sobretudo, se tivermos em conta que sou docente numa escola de jornalismo”. As expectativas ficam aquém da realidade. “Os professores estão sempre à espera de gente com muita curiosidade para perceber o mundo e para adquirir ferramentas para o compreender.”


Também jornalista do Público, Vera Moutinho considera que “o contexto veloz e altamente influenciado pelas redes sociais torna mais perigoso o fenómeno da desinformação, sendo mais frequente a assimilação de opiniões difundidas nas redes sociais como factos ou informação factual”. Como justifica Paulo Moura, “devido à facilidade de acesso à informação disponível e a sua diversificação, ficaram mais adormecidos, sentem que não precisam de desenvolver a capacidade de pesquisa e memória, para ver o que é ou não credível, porque os motores de busca como o Google fazem isso por eles”.


O professor da ESCS e antigo grande repórter do Público defende que os alunos de Jornalismo “têm poucos instrumentos para conseguir descodificar as mensagens dos media porque ninguém faz esse trabalho por eles”. A solução - acredita - “partiria de uma iniciativa individual de desenvolver essa capacidade” ou, nas palavras de Carlos Andrade, ter “uma disciplina monástica para conseguir tempo para digerir a informação”.


Farol de esperança


Conhecida pela excelência na preparação dos seus alunos para o mercado de trabalho, a ESCS valoriza o ensino de diversas competências relacionadas com a literacia mediática, diretamente ou indiretamente, pois esse é um conceito transversal ao jornalismo. Nas unidades curriculares lecionadas por Paulo Moura, como seja Jornalismo Literário, Jornalismo de Viagens e Jornalismo Internacional, uma forma de incentivar a literacia é falar dos bons jornalistas portugueses e dos jornais de qualidade, uma vez que é raro que os alunos os conheçam e sigam o seu trabalho. Nas aulas de Jornalismo Multimédia, a docente Vera Moutinho analisa notícias em vários formatos e plataformas.


O jornalista Carlos Andrade destaca o VI Congresso de Literacia, Media e Cidadania, a decorrer entre 21 e 22 de abril, com o mote transição digital e políticas públicas, na ESCS, como uma iniciativa que nos “desperta para um problema e nos faz refletir”. É neste âmbito que, conclui o fundador da TSF, “as políticas públicas devem fazer tudo o que seja possível para procurar favorecer o vento, ajudando do ponto de vista material as instituições e iniciativas”.


Apesar do cenário pessimista descrito pelos professores, retomando a sua ideia inicial, o docente garante que “há um farol de esperança em que se deve confiar, ou seja, a capacidade de os jornalistas e do bom jornalismo se afirmarem como mediadores entre os factos e os consumidores para que possamos ter esperança de que as pessoas continuem a ser cidadãs”.



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