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Manuel Carvalho: “Um jornalista sem paixão pela atualidade dificilmente será um bom jornalista”

Atualizado: 23 de abr. de 2023


Manuel Carvalho, diretor do jornal Público


Depois de cinco anos na direção do jornal Público, Manuel Carvalho anunciou a sua saída. Do seu legado destaca a forte aposta no digital. Mas ficou um desejo por cumprir: ter um país informado e consciente. Reconhece que os recém-licenciados em Jornalismo têm boas ferramentas técnicas, mas deixa uma crítica: conhecem mal a atualidade do país


Texto: Diana Correia Cardoso

Foto: Paulo Pimenta, PÚBLICO


Na sala de redação improvisada da Escola Superior de Comunicação Social, a conversa iniciada na primeira sessão plenária do VI Congresso de Literacia, Média e Cidadania prolonga-se por mais meia hora. Em cima da mesa, está o papel das novas tecnologias no jornalismo e a literacia mediática.


Em Portugal segue-se a norma de que “o jornalista não é notícia”. Acha que esse princípio deveria ser ultrapassado? Falar e debater a profissão poderá ser uma forma de contribuir para a literacia mediática?

Nós que temos por dever de ofício escrutinar os poderes, como se diz na gíria anglo-saxónica ser watchdog, cão de guarda de valores. Não somos imunes à crítica e ao escrutínio. Queremos que os nossos leitores leiam criticamente o jornal. Isso implica que façam perguntas quando leem uma reportagem ou uma entrevista nossa. O Público tem o provedor do leitor que fiscaliza permanentemente o trabalho dos jornalistas. Tem toda a liberdade para expor nas páginas do jornal os erros e as deficiências profissionais. Como costumo dizer, nós pagamos para que ele nos critique.


Os leitores têm conhecimento do provedor do leitor do jornal? Comunicam através dele?

O provedor recebe muitas queixas. Aquilo que o provedor publica é apenas uma parte das que lhe chegam. Está permanentemente a receber mails dos leitores com queixas, protestos, dúvidas e pede-nos esclarecimentos para fazer a sua própria pedagogia.


Quais são os contributos do jornalismo de dados, multimédia e a infografia à literacia mediática dos leitores?

Tornam o jornalismo mais atraente para pessoas que não estão habituadas ao consumo de informação, em concreto, os jovens. Temos novas ferramentas para expor informação aos nossos leitores. São contributos que a tecnologia nos concede e nós temos de a aproveitar. Sim, é verdade que o Público nos últimos cinco anos fez uma transformação muito profunda naquilo que é a sua estratégia. Mas continuamos a ter um grande carinho pelo papel e pelo jornal impresso.


Não pretendem eliminar o papel?

Enfim, os números são baixos comparativamente aquilo que era há 30 anos. Mas mesmo assim a edição impressa ainda é sustentável. Enquanto houver leitores que nos pedem jornalismo naquele formato, continuaremos a fazer isso com muito gosto. O dever dos jornais e dos jornalistas é fazer com que a informação chegue às pessoas. Se é através do digital ou do papel não é assim tão relevante.


O papel também tem as suas vantagens…

Nós sabemos, não apenas por experiência própria, mas pelos relatos que nos chegam dos leitores, que uma edição impressa dá uma visão organizada e hierarquizada. A manchete é aquilo que para nós é mais importante. O destaque é o grande acontecimento do dia e a abertura de secção é a notícia mais importante. Continua a haver leitores que querem que façamos essa curadoria, que no online não existe da mesma forma.


O digital tem uma escrita mais convencional, simples, direta e mais fácil de absorver? Ou o online matou a criatividade de escrita em géneros jornalísticos mais clássicos como a reportagem?

Não concordo. Aquilo que a nós nos preocupa, que gera muitas dúvidas junto dos próprios jornalistas é se o online implica um novo compromisso do jornal com o jornalismo. Aquilo em que nós insistimos é que não. O nosso jornalismo é este: de reportagens com o mesmo tipo de linguagem, mais literária, mais profunda.


Poderá alterar a linguagem para ser mais fácil de compreender?

Não. Ser compreendido é uma questão fundamental do jornalismo, sempre. A única limitação que há no sistema impresso relativamente ao digital é o espaço. Enquanto podemos fazer uma reportagem de 20 mil caracteres e publicá-la no online, no papel isso já corresponde a quatro páginas. Se calhar só temos duas e vamos ter de cortar metade da reportagem ou da entrevista.


Não considera que na versão em papel o Público tem demasiados artigos de opinião e que

essas reportagens poderiam estar nesse espaço?

Duas páginas e meia permanentes de opinião, mais a última página... Não, não acho que um jornal de referência ter 7% do seu espaço editorial concedido aos artigos de opinião seja muito. Até porque é uma coisa que precisamos muito e sabemos que os nossos leitores gostam.


Parece que agora há muitos especialistas de muitas coisas, não é tanto como antes em que havia as chamadas figuras intelectuais…

No papel temos só os nossos colunistas de referência. São referências nas áreas em que trabalham. Podemos ter essa questão relativamente ao online. Se calhar temos colunistas a mais.


O Público destacou-se como um impulsionador de grandes nomes do jornalismo literário. Qual é o espaço desse género jornalístico no jornal atualmente?

Isso tem a ver com a reportagem e com o talento dos repórteres. A literariedade não é New Journalism, uma fronteira em que se hipervaloriza a realidade para lhe dar outro colorido e permitir outro tipo de estética. Nós achamos que a realidade já é suficientemente boa e dura para ser retratada como ela é. Identificamos talento e literariedade nos nossos novos jornalistas, que nos vão garantir que esta tradição do Público se mantenha.


Os jovens jornalistas saídos do ensino superior que chegam à redação do Público vão bem preparados para a profissão?

Têm boas ferramentas técnicas, mas eu faço normalmente uma crítica: não têm conhecimento sobre aquilo que é a atualidade do país. Não a acompanham. Isso é fatal para um jornalista. Um jornalista sem paixão pela atualidade pode ser muito bom, pode ser muito inteligente, pode escrever bem, pode dominar todas as tecnologias, mas dificilmente será um bom jornalista.


Como se formam os mais novos nas redações?

Acolhemos jornalistas de estágios curriculares. Achamos que um jornalista licenciado já é um jornalista. Um jornalista que está a fazer um estágio curricular pode fazer uma abertura de secção ou uma manchete. Damos-lhes essa responsabilidade, não os tratamos como aprendizes. Quem é selecionado para ser estagiário é atirado às feras.


Este mês anunciou a sua saída da direção do jornal Público. Sente que deixa um país mais informado, mais consciente?

Infelizmente, tenho dúvidas sobre isso. Há uma grande dificuldade por parte das pessoas em saber distinguir aquilo que é informação, do que é desinformação ou má informação. O efeito das redes sociais que se acentuou nos últimos anos trouxe aqui problemas novos. Aquilo que posso garantir é que o Público não perdeu nenhum dos seus compromissos originais de ser o jornal que no seu próprio mote diz: "abrir portas onde se erguem muros". É um espaço de encontro de todas as áreas políticas. Não queremos cair naquele perigo do sectarismo da polarização excessiva. Achamos que é um perigo para a democracia e estamos a avançar nesse caminho. Olhando para aquilo que se passou nos últimos anos, não podemos estar sossegados, pelo contrário, temos de estar alerta porque há sinais de que isto pode seguir para caminhos menos interessantes.


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